Artigo para o XXIII CONFAEB: Arte/Educação no Pós-Mundo - novembro 2013



FOLCLORE E CULTURA POPULAR NA CONTEMPORANEIDADE: A EDUCAÇÃO DO LÚDICO


Luciana Dilascio Neves – UFRRJ

Ludmilla Pollyana Duarte – UFRRJ

Diego Alves – UFRRJ

RESUMO

A partir de uma série de trabalhos e experiências didáticas realizadas pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID Belas Artes – UFRRJ, nas escolas conveniadas ao Programa, em torno do "tema" da Cultura Popular e do Folclore, este artigo visa fazer refletir sobre a pertinência do ensino destes nas escolas da Educação Básica: Que estratégias poderiam ser usadas visando ações significativas sobre estes temas, que não recaiam em práticas estereotipadas e/ou mecanizadas, sem um vínculo com o processo do fazer que as originam, com o imaginário e a vivência que as motivam? É possível pensar em estratégias capazes de restabelecer o diálogo entre o presente, sujeito ao devir, e o passado, que busca no contato com as origens uma ampliação/contribuição para o presente? Quais estratégias a educação pode se valer para transpor preconceitos relacionados às manifestações, folclore e ritos religiosos de determinadas culturas, visando uma sociedade pautada na diversidade cultural em que seus indivíduos possam crescer e se ampliar para além de suas próprias fronteiras ideológicas e religiosas? Viver o outro, vivenciar experiências para além das suas como modo de uma recepção ativa, de um sujeito em construção, que pode assimilar e vivenciar o mundo para além de seu eu, de suas fronteiras. Pode a Cultura Popular e o Folclore contribuir neste sentido, encontrados processos, estratégias, metodologias e finalidades apropriadas? Este artigo propõe uma reflexão sobre estes questionamentos a partir das experiências até então concretizadas.

Palavras-chaves: Arte/educação; PIBID; Cultura Popular; Folclore

ABSTRACT

From a series of works and didactics experiments conducted by Institutional Program Initiation Scholarship to teaching - PIBID Fine Arts - UFRRJ, accredited schools in the program, around the "theme" Popular Culture and Folklore, this article aims to make reflect on the relevance of education in these schools of Basic Education: what strategies could be used in order meaningful action on these issues, which do not fall into stereotypical practices and / or mechanized without a bond with the process of doing that originate with the imagination and experience to motivate them? It is possible to think of strategies to re-establish dialogue between the present, future, and past, who seeks in touch with the origins magnification / contribution to this? What strategies can avail education to overcome prejudices related to demonstrations, folklore and religious rites in some cultures, towards a society based on cultural diversity in their individuals to grow and expand beyond their own ideological and religious boundaries? Living the other, have experiences beyond their means as an active reception, a subject under construction that can assimilate and experience the world beyond the self and their limits. Can the Popular Culture and Folklore contribute to this, found processes, strategies, methodologies and objectives appropriate? This paper proposes a reflection on these questions from the experiences hitherto realized.

Keywords: Art / education; PIBID; Popular Culture, Folklore

Introdução

A reflexão proposta neste trabalho parte das ações desenvolvidas pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID do Curso de Licenciatura Belas Artes

da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ, referentes à utilização do folclore e da cultura popular nas práticas didáticas das escolas da Educação Básica conveniadas ao Programa, de maio de 2010 a junho de 2013.

A partir desta experiência, nosso questionamento – no âmbito da licenciatura e dos bolsistas do PIBID – se concentra em fazer refletir sobre a validade e motivo de permanência do ensino de folclore e cultura popular na educação básica: Qual a pertinência do trabalho sobre folclore e cultura popular e em que medida é possível definir hoje um campo específico do que seja cultura popular? Que estratégias poderiam ser usadas visando ações significativas sobre estes temas, que não recaiam em práticas estereotipadas e/ou mecanizadas que apenas estimulem a confecção, pelos alunos, de objetos que aludam a determinadas culturas, mas sem um vínculo com o processo do fazer que as originam, com o imaginário e a vivência que as motivam?

As propostas de trabalho vinculadas ao PIBID visaram uma prática docente para além das salas de aula, integrando, em especial, através de oficinas, saberes da cultura popular brasileira às práticas tradicionais como desenho e pintura, assim como às práticas relacionadas às novas tecnologias, como o cinema de animação, ou mesmo, utilizando-se de elementos cênicos como o teatro de sombras, encenações do Bumba meu Boi1 e da Nau Catarineta2, entre outras, resgatando algumas importantes manifestações do folclore nacional.

1 Manifestação folclórica que aparece em inúmeras regiões do Brasil, variando com as localidades e recebendo diferentes denominações: boi-bumbá, boi-surubi, boi-de-mamão, reis-de –bois etc)


2 Tema encontrado no folclore brasileiro, inspirado nas viagens marítimas portuguesas e retratando seus episódios. Relaciona-se e/ou recebe outros nomes, dependendo da região: Cheganças, Fandango, Barca, Marujada. Forma teatral de enredo popular, convergências de cantigas brasileiras e xácaras portuguesas, composta por 21 jornadas com diversas coreografias.

A opção por refletir sobre o Folclore na Educação do Ensino Básico conduziu-se pelo desenvolvimento de um trabalho baseado na "recriação" a partir dos folguedos e da mítica popular, mas de maneira que fosse estabelecido um processo em que as contextualizações e apropriações dos saberes relacionados aos temas fossem incorporadas e relacionadas às vivências próprias dos educandos. Pensamos nesta "recriação" como um modo de apropriação de manifestações populares tradicionais, como fonte de referência para processos de criações que congregue o observado e o experimentado, com as vivências particulares dos alunos, traduzidos, seja pelo pensamento visual, verbal, pelas formas de narrativas ou pela dramatização.

A preocupação primeira da licenciatura foi estudar e pesquisar como surgiram os conceitos de folclore e cultura popular no mundo e no Brasil, relatando os principais teóricos e suas interpretações sobre tais conceitos, bem como as transformações sociais que ocorreram

e que possibilitaram um discurso sobre a importância da preservação do patrimônio material e imaterial3 dos povos. Já na educação básica, o objetivo estava em como transportar tais questões em atividades didáticas que ajudassem o aluno a compreender e vivenciar o folclore e suas manifestações, dentro do nível de aprendizado das turmas trabalhadas.

3 "Os Bens Culturais de Natureza Imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas)" http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=10852&retorno=paginaIphan, acessado em 17.04.2013, às 11:30h.



Assim, tomando como ponto de partida as experiências concretizadas, propomos aqui contribuir com a reflexão sobre tal tema. Em meio à era da tecnologia, da cultura midiática e de exigências pragmáticas firmadas frente aos atuais anseios sociais – aos quais não pretendemos aqui colocá-los de lado –, existem posicionamentos, em geral, de senso-comum e pouco fundamentados, que julgam que conhecer as culturas e crenças que fazem parte de nossa história se faz desnecessário, e mesmo pouco produtivo e/ou retrógrado. E perguntamos se é possível, em especial, como desafio para a educação, pensar em estratégias capazes de restabelecer o diálogo entre o presente, sujeito ao devir, e o passado, que busca no contato com as origens uma ampliação/contribuição para o presente?

Além destas questões, entre as dificuldades encontradas por arte-educadores e outros profissionais está o preconceito e a resistência ao que é originário de determinadas culturas, tais como as de matriz indígena e, em especial, as relacionadas a nossa afro-brasilidade. Mas como falar de cultura dos povos, folclore, ritos religiosos - que estão ligados a formas de concepção de mundo e de manifestações culturais correspondentes – sem despertar preconceitos religiosos e/ou ideológicos? Quais estratégias a educação pode se valer para transpor tais preconceitos visando uma sociedade pautada na diversidade cultural em que seus indivíduos possam crescer e se ampliar para além de suas próprias fronteiras ideológicas e religiosas? Viver o outro, vivenciar experiências para além das suas como modo de uma recepção ativa, de um sujeito em construção, que pode assimilar e vivenciar o mundo para além de seu eu, de suas fronteiras. Perguntamos: Pode a cultura popular e o folclore contribuir neste sentido, encontrados processos, estratégias, metodologias e finalidades apropriadas?

As pesquisas iniciais: Sobre Folclore e Cultura Popular

No âmbito da licenciatura, o ponto de partida foi a pesquisa em estudiosos do assunto, a exemplo de Câmara Cascudo, Renato Almeida, Mario de Andrade, Darcy Ribeiro, entre

outros. No que tange a estas pesquisas, a folclorista Cáscia Frade4 diz que, segundo historiadores do período Medieval, o que existia nesta época era "uma cultura da maioria, transmitida informalmente nos mercados, nas praças, nas feiras e nas igrejas [...] também o clero adotava procedimento pouco ortodoxos, na celebração das Festas dos Santos, usando máscaras, dançando, cantando [...]". De modo geral, clero, palhaços, médicos, curandeiros, contadores de histórias e poetas habitavam de igual modo as classes sociais. Contudo, mesmo havendo uma cultura para todos, havia, para uma minoria, uma outra tradição transmitida formalmente nos liceus e demais instituições, o que torna possível identificar, desde esta época, uma tradição erudita e uma tradição popular. Segundo nosso modo de compreender, ambas, popular e erudita, puderam coexistir como duas formas de manifestação do conhecimento e da vivência humana, e sem que uma devesse desenvolver-se em prejuízo da outra. De acordo com nossas observações, o grande problema passaria a desenrolar-se, não entre o erudito e o popular, mas sim, entre o popular e uma cultura legitimada, normatizada pelos modelos da sociedade civil e religiosa, baseada em conceitos como verdade (conhecimento verdadeiro x conhecimento falso), racionalidade (práticas aceitáveis e coerentes na sociedade estabelecida) e convenção (código social determinado), fazendo com que a cultura popular vivesse uma vida subsidiária e periférica. Ainda conforme Frade, Peter Burke em seu livro "A Cultura Popular na Idade Média" (1989) afirmará que o despertar do interesse e importância dada à cultura popular surge "no momento em que ele tendia a desaparecer sob o impacto da Revolução Industrial em meados do século XIX".

4 retirado da internet: http://www.unicamp.br/folclore/Material/extra_aspectos.pdf (s/data).



Assim, em fins do séc. XIX e início do XX ocorre a "descoberta" da cultura popular, incidindo mais especificamente nas chamadas "Antiguidades populares", recolhidas na literatura oral como contos, lendas, narrativas mitológicas... A difusão do movimento se realiza na medida da ampliação do interesse, merecendo pesquisas também as festas, as práticas religiosas, a música vocal e instrumental, os usos e costumes... O termo "Folklore", criado pelo inglês Jonh Thoms (1846) surge no seio destas questões e se referia aos estudos dos usos e costumes, cerimônias, crenças, romances, superstições, refrãos...

No Brasil, os ecos destes estudos europeus chegaram a partir da segunda metade do século XIX, liderados por nomes tais como Celso de Magalhães (1844-1879), Sílvio Romero (1860-1914), João Ribeiro (1860-1934) e, no séc. XX teve continuidade nas pesquisas de Mario de Andrade (1893-1945), Renato Almeida (1895-1981), Câmara Cascudo (1898-1986), Gilberto Freire (1900-1987), Edson Carneiro (1912-1972), Darcy Ribeiro (1922-1997), entre

outros. No séc. XX, Renato Almeida propõe o estudo sobre demais aspectos da vida social, materiais e concretos, como artesanatos, indumentárias, instrumentos musicais e suas formas de execução, as coreografias, os componentes rituais..., liderando grande movimento em todo território nacional, com a criação, em 1946, da Comissão Nacional do Folclore. Em 1951, no I Congresso Brasileiro de Folclore, elabora-se a Carta do Folclore Brasileiro, a partir de uma posição consensual dos folcloristas brasileiros:

Constitui o fato folclórico a maneira de pensar, sentir e agir de um povo, preservadas pela tradição popular e pela imitação, e menos influenciada pelos círculos e instituições, que se dedicam ou à renovação e conservação do patrimônio científico e artístico humano ou à fixação de uma orientação religiosa e filosófica.

Rossini Tavares complementa tal definição dizendo que o fato folclórico caracteriza-se "pela sua espontaneidade e pelo seu poder de motivação sobre os componentes da respectiva coletividade. A espontaneidade indica que o fato folclórico é um modo de sentir, pensar e agir, que os membros da coletividade exprimem ou identificam como seu [...]" (2003, p. 17). Em decorrência das grandes transformações sociais e do avanço das ciências, estes conceitos, muitas vezes, se tornaram polêmicos, sendo reavaliados e/ou relativizados.

Segundo a poetiza e folclorista, Cecília Meireles, a tarefa de "proteger" as artes populares é também delicada, já que a arte é um organismo vivo e "qualquer tentativa de prolongar sua duração pode perturbar a sua verdade, transformando-a em coisa artificial e anacrônica" (1952, p. 23). Como ela observa, "em vão se procuraria ‘continuar’ os modelos de Santarém ou da ilha de Marajó [...] São outro idioma, contam uma concepção do mundo, dirigem-se a uma vida já vivida" (ibid., p. 24). Do mesmo modo, considera que as especulações industriais e turísticas destitui seu fundamento de verdade, de expressão humana, passando a meros sinais exteriores, sem função e vida.

Pensando na contemporaneidade os desafios são ainda mais complexos. Com as inovações tecnológicas que possibilitaram o surgimento de veículos de comunicação em massa, as concepções sobre o assunto são polêmicas. Segundo os autores abaixo:

[...] a cultura entendida como cultivo do espírito e da identidade social é dissolvida nos esquemas de massificação voltados ao consumo e cultivo do modelo econômico vigente. Indivíduos semiformados, sem acesso ao que de essencial subsiste na produção dos bens culturais tendem à incorporação de uma baixa taxa de exigência cultural, fator que intensifica o atrelamento ideológico e a ausência de reflexão crítica (FABIANO, L. H.; SILVA, F. A., 2012, p. 1078).



Mas pode-se dizer que a cultura midiática estabelece então determinados conceitos e estereótipos que ferem a diversidade da cultura popular, resultando num sistema de

dominação que trata o espectador como consumidor, passivo e ingênuo? Tais diretrizes – folclore e cultura de massa – partem de experiências antagônicas que, por natureza, se excluem, ou é possível pensar em ações conciliatórias em que as "vivências" podem encontrar "correspondências", em especial, no que tange à educação, onde os indivíduos devem ser considerados em suas complexidades, levando-se em conta toda rede de experiências e vivências que os envolvem?

Com as mudanças comportamentais de uma sociedade em constante transformação, qual seria o papel da escola no que se refere a esta questão, e com a emergente reflexão de um possível desaparecimento de determinadas manifestações artístico-culturais no cenário contemporâneo? Caberia aos professores transmitirem uma leitura mais crítica das questões que envolvem o folclore, ou até mesmo a discriminação de algumas manifestações populares? Deve-se atribuir a escola o papel de pensar e repensar, na atualidade, a arte e a cultura popular brasileira?

A escola, ao assumir questionamentos em torno da constituição de ideias comuns, de estéticas "padrão", de conceitos pré-estabelecidos e veiculados por um sistema que se faça dominante, não estaria trabalhando também a visão crítica, estimulando indivíduos reflexivos e mais capazes de buscar compreensão para sua própria realidade social e histórica? Segundo Fabiano e Silva (ibid., p. 1075), as formulações de Immanuel Kant em seu ensaio Resposta à pergunta: que é esclarecimento demonstram que a liberdade é colocada como condição essencial ao esclarecimento, o que significa ter autonomia para "fazer um uso público de sua razão em todos os assuntos", questionando criticamente sua realidade.



Breve relato de algumas atividades desenvolvidas

As atividades realizadas propunham conduzir os envolvidos a um passeio pelo folclore e cultura popular brasileira, interagindo também com outras áreas dos saber. Os trabalhos foram desenvolvidos com turmas do 6º ao 9º ano do segundo segmento do ensino fundamental do Centro de Atenção Integral à Criança – CAIC Paulo Dacorso Filho, e do 3º a 5º ano do primeiro segmento do ensino fundamental da Escola Estadual Municipalizada Profª Creuza de Paula Bastos, ambas no município de Seropédica, RJ.

Em 2010, o grupo PIBID participou do projeto da escola – CAIC Paulo Dacorso Filho – denominado "Feira Cultural", efetuando junto aos alunos da mesma (6º ao 8º ano) três propostas de trabalhos relacionados à dramatização, e que tinham um caráter interdisciplinar, já que intencionavam convergir desenho, pintura, música, poesia, narração e encenação. Um deles tratava-se da encenação do tradicional Bumba-meu-boi, com o 6º ano. O outro, uma

encenação com Teatro de Bonecos, tendo como tema folclórico O Auto da Nau Catarineta, com o 7º ano. A terceira encenação, com o 8º ano, foi realizada com Teatro de Sombras, a partir da adaptação de um trecho do livro Martim-Cererê, de Cassiano Ricardo5 (1895-1974).



5 Poeta e ensaísta brasileiro, representante do modernismo de tendência nacionalista, tendo publicado em 1928, Martim-Cererê; fábula em forma de poema épico, inspirado em nossa mitologia e nosso folclore.

6 Tradicional boneco do teatro popular nordestino.

7 Técnica de animação em que os objetos (bi ou tridimensionais) são fotografados quadro a quadro, numa sequência de movimentos, criando a impressão do mesmo ao ser montado cinematograficamente.

Desde o início, as imagens selecionadas, que transitaram entre xilogravuras, desenhos, pinturas, fotografias e vídeos, foram contextualizadas, analisadas e desenvolvidas como ponto de reflexão sobre o tema e manifestações utilizadas. Visávamos estimular o imaginário relacionado aos folguedos, assim como o caráter mítico e fabuloso que envolve os personagens, assim como a própria prática dos que exercem tais manifestações em seus contextos originais. A confecção dos roteiros e dos personagens, desenhos, cenários, adereços e materiais requisitados por cada uma das encenações foram realizados pelos alunos do CAIC, que ensaiaram e a realizaram no dia do evento.

Em 2012, o PIBID Belas Artes passou a atuar com o primeiro ciclo do ensino fundamental na E. E. M. Profª Creuza de Paula Bastos. Lá também, uma das propostas foi o trabalho com teatro de mamulengos6. Os alunos da escola tiveram a oportunidade de resgatar lendas e contos, desenvolvendo seu imaginário ao criar o seu próprio. Os tradicionais contos despertaram a curiosidade, provocando reflexões a partir da contextualização destes elementos suscitados. Foi interessante observar que vários conteúdos trazidos da cultura popular serviram de estímulo para uma interiorização das vivências particulares dos alunos, muitas vezes, fundidas com a internalização/criação de personagens.

Em 2012, visando transitar nas linguagens artísticas, a temática da cultura popular e folclórica foi trabalhada através de experiências com animação stop motion7.

A primeira proposta realizou-se pela criação de uma oficina no CAIC visando produção artística/cultural elaborada pelos alunos da escola. Objetivou a elaboração coletiva de uma animação produzida a partir de desenhos no quadro negro, refeitos a cada frame, de acordo com princípios da animação. Foi escolhida letra do compositor Luiz Gonzaga, como inspiração para criação do roteiro e da dinâmica visual da animação, e em homenagem ao seu centenário, visava interagir com saberes e elementos culturais diversos. Por fim, estabelecer conexões entre as referências visuais do cordel brasileiro, da técnica de animação e do imaginário presente na composição do cantor e compositor Luiz Gonzaga, estimulando a produção artística dos discentes da escola.

A segunda proposta relacionando animação e cultura utilizou o recurso do pixilation8, em que alunos do 5º ano do fundamental deveriam criar uma encenação sintética a partir de um trecho poético retirado do livro A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna9. A atividade ocorreu inserida em evento da escola com temática da cultura popular brasileira e a partir do contato com um poema literário permeado por aspectos da cultura popular, visava conjugar elementos visuais e sonoros deste contexto, interagindo com noções básicas sobre a técnica do pixilation, relacionando arte e tecnologia. A partir da interação com elementos e objetos relacionados ao contexto apresentado, os alunos da escola criaram coletivamente uma encenação que deveria sintetizar a compreensão do poema, inspirados também pelo ritmo do repertório musical selecionado e contextualizado. A ação dramática elaborada foi recriada através da movimentação solicitada pela técnica do pixilation. Por fim, foi gravada a declamação do poema pelos alunos da escola e procedeu-se a edição do trabalho, com a exposição do resultado do trabalho desenvolvido.

8 Técnica de animação stop motion utilizando-se atores (pessoas), fotografadas quadro a quadro.



9 Dramaturgo, romancista e poeta, nascido em João Pessoa, Paraíba, em 1927.

Como trabalhos que visam experimentações didáticas neste campo, o resultado destas propostas demonstra grande envolvimento por parte dos alunos da educação básica, propiciando a assimilação de saberes e conteúdos diversos que podem ser inter-relacionados.

Análise sobre a Experiência concretizada: Por que Cultura Popular? Desafios e dificuldades

Uma das intenções do subprojeto é fazer com que os alunos – das escolas conveniadas – ao entrarem em contato com diferentes manifestações, crenças, costumes e valores, façam com que essas informações tenham sentido no mundo em que vivem, e que não considerem algo tão distante de sua realidade, como de fato acontece. Além disto, é necessário fazer compreender que o conhecimento destas inúmeras formas de concepção e criação humana, não implica em posicionamentos particulares, religiosos ou ideológicos.

Considera-se assim, que uma das maiores dificuldades seja criar uma metodologia que contribua para a desconstrução de preconceitos culturais, assim como dos padrões tradicionais de representação estética, centrados unicamente na representação realista ou de uma pura expressividade (centrada apenas na subjetividade), "ampliando o potencial criativo, lúdico e investigativo das crianças e jovens, e possibilitando a construção de uma linguagem que represente o seu próprio universo simbólico" em diálogo com o visto e o vivenciado. O professor de arte tem como possibilidade levar o folclore e a cultura popular para as aulas,



acreditando no potencial do lúdico para "diluir" fronteiras, permitindo que o dia-a-dia da sala de aula seja um espaço de valorização da criatividade, do ato criador e reflexivo construídos nas experiências culturais de cada individuo em contato com o "mundo".

A escola tem meios de buscar estratégias que auxiliem no despertar do interesse. Transmite-se um conhecimento cultural através da educação escolar, que tem potencial para se enraizar, em especial, se tal trabalho estiver permeado pela vivência, considerando a participação afetiva e intelectual do aluno, agregando seu "olhar" sobre o mundo num processo contínuo de contrução e reconstrução. O trabalho com a cultura popular e o folclore tem ainda potencial educacional por ser encantador, concebendo vida a bonecos de mamulengos, a personagens do cotidiano ou a seres sobrenaturais, trabalhando assim com o lúdico, o drama, o espírito crítico, a ironia ou com o belo – compreendendo várias possibilidades de compreender este "belo" – em suma, trabalhando com o real e o irreal de cada um, espaço distendido do hoje, do ontem e do amanhã, pois a cultura é viva, podemos nos apropriar dela e dela produzir, recriar e nos manifestar.

Defesa do Folclore e da Cultura Popular na Educação

De acordo com Joana Abreu (in NEVES, M. et al, Cecília Meireles: A Poética da Educação, 2001), para a educadora, poetisa e folclorista Cecília Meireles, o povo conserva uma proximidade com a magia, possibilitando uma relação singular com a arte e com a poesia: "Aí, já é pleno mundo da poesia. O povo – quando é povo deveras – navega por ele à vontade, e entre os símbolos e a vida, não percebe diferenças" (apud ABREU, ibid., p. 217). Segundo a poetisa, a exposição folclórica é uma:

festa de fraternidade não apenas geográfica, mas também histórica e principalmente humana, uma vez que não há nada que humanize mais tanto como os estudos de Folclore, que isentam de quaisquer preconceitos e apresentam os homens uns aos outros conforme lhes vai sendo permitido ser – sem humilhação nem vanglória – na pura autenticidade de sua condição de habitantes da terra, nas suas relações naturais ao ambiente da vida, com seus poderes, as suas leis profundas, as suas afirmações ou negativas, enfim, a sua ciência ou sabedoria expostas com a ingênua crueza da liberdade (MEIRELES, 1954, p.17 apud ABREU, ibid.)



Cecília identifica o folclore e a cultura popular ao "mundo da magia" ao qual compreende como mundo da "solidariedade, convívio, fraternidade, reconhecimento, amor, comunhão e ilimitada família", estabelecendo tal "comunicação até os ‘confins do universo’", sendo esta "a intenção última de Cecília com o folclore, que transcende, portanto, os limites de uma única nacionalidade" (ABREU, ibid., p. 220). Segundo Câmera Cascudo, o folclore revela a permanência de uma "alma popular", pelo qual "séculos depois, um prato, um gesto,

uma forma de representar, folgar, dançar" (in FRADE et al., 1980, Prefácio, p.7), resgatam uma memória de outros tempos e de outros lugares do mundo, numa colaboração anônima que vem de milênios. Para ele, o folclore preservaria uma ancestralidade, ou isto que pode ser chamado de "alma popular", por integrar uma memória coletiva que, mesmo em suas especificidades locais, preserva traços de uma universalidade. Pode-se dizer que o elemento que motiva as manifestações espontâneas de uma coletividade está relacionado ao mítico, ao imaginário, em que qualquer fazer ou manifestação pode tornar-se um ato simbolizado capaz de despertar uma série de reminiscências relativas ao imaginário dos povos, amálgama do conhecimento, da imaginação e das práticas que fortalecem e revelam os laços que unem os mesmos. Ainda segundo Cecília:



A arte popular manifesta a sensibilidade geral dos que a praticam, por uma seleção de motivos que são uma espécie de linguagem cifrada. Por detrás desses elementos aparentemente simples, – aparentemente desconexos [...] estão as variadíssimas experiências realizadas por muitas gerações [...] é a Vida em reminiscência." (MEIRELES, C., 1952, p. 18)

Segundo Mircea Eliade, "as pesquisas sistemáticas sobre o mecanismo das ‘mentalidades primitivas’ revelaram a importância do simbolismo para o pensamento arcaico e, ao mesmo tempo, o seu papel fundamental na vida de qualquer sociedade tradicional" (1996, p. 5). O mundo moderno reconheceu o símbolo como modo autônomo de conhecimento, sendo consubstancial ao seu humano, precede a linguagem e a razão discursiva: "As imagens, os símbolos e os mitos [...] respondem a uma necessidade e preenchem uma função: revelar as mais secretas modalidades do ser" (id., ibid. p. 9). Escapando a sua historicidade, o homem pode encontrar uma outra "linguagem" correspondente ao lúdico, ao mítico, à poesia. Segundo Eliade (ibid., p. 9) "os sonhos, os devaneios, as imagens de suas nostalgias, de seus desejos" projetam este homem "historicamente condicionado em um mundo espiritual infinitamente mais rico", o que comprova a atualidade e a força das Imagens e símbolos:

A dessacralização incessante do homem moderno alterou o conteúdo da sua vida espiritual; ela não rompeu com as matrizes da sua imaginação: todo um refugo mitológico sobrevive nas zonas mal controladas [...] Toda essa porção essencial e imprescritível do homem – que se chama imaginação – está imersa em pleno simbolismo e continua a viver dos mitos e das teologias arcaicas. Depende apenas do homem moderno, dizíamos, "despertar" para esse inestimável tesouro de imagens que traz consigo [...] e assimilar sua mensagem. A sabedoria popular muitas vezes exprimiu a importância da imaginação para a própria saúde do indivíduo, para o equilíbrio e riqueza de sua vida interior (id., ibid., p. 16)

Ainda segundo Eliade:

‘Ter imaginação’ é gozar de uma riqueza interior, de um fluxo ininterrupto e espontâneo de imagens. Etimologicamente, ‘imaginação’ está ligada a imago, representação, imitação, a imitor, ‘imitar, reproduzir" [...] A imaginação imita modelos exemplares – as Imagens – , reproduzindo-os, reatualizando-os, repetindo-os infinitamente. Ter imaginação é ver o mundo na sua totalidade, pois as imagens têm o poder e a missão de mostrar tudo que permanece refratário ao conceito [...] (id., ibid., p. 16)



Acreditamos que neste "campo imagético" se ligam os homens com suas experiências pautadas nas infinitas diversidades, o que nos faz crer que o contato com as imagens do folclore e da cultura popular têm potencial para contribuir no despertar da imaginação e de vivências interiores integradas numa "humanidade", nesta "Vida em reminiscência", como nos diz a poeta, com predisposição para a solidariedade, a fraternidade, o amor, a comunhão...

Conclusão

Este artigo se relaciona à importância com que consideramos esta proposta na Educação Básica. Através desta valorização, objetivou-se destacar a importância da sensibilidade, da imaginação e da poesia para a educação e para a vida de qualquer indivíduo. Em suma, visou-se salientar a importância da educação poética, do lúdico, do simbólico como forma de conhecimento autônomo daquele da linguagem discursiva; e, em especial, o modo como esta educação poética pode se realizar pela vivência e pelo contato com o imaginário de nossas origens culturais.

Mesmo em face dos crescentes avanços tecnológicos, das mudanças de paradigmas e ideologias, afirmar o valor permanente destas raízes culturais – repletas de misticismo, de significações e simbologias. Acreditamos que a pesquisa e o contato com tais fontes podem contribuir para soluções que venham a fazer com que este tema, humano e artístico, possa ser melhor vivenciado e repercutido entre os alunos da educação básica, não como algo inerte, exemplos estereotipados e ultrapassados de algo que não nos pertence mais, mas como algo que pode ser "sentida" como nossa, encontro com secretas fantasias, pensamentos e imaginações que, de certo modo, também são nossas. Ressaltar a importância destas raízes culturais – do folclore, da cultura popular – não como algo setorizado, pertencente a uma classe específica a qual pouco temos contato, mas sim, como algo que faz parte de nossa formação e de nossas vivências, permitindo, com isto, inúmeras formas de abordagens e questionamentos de ordem social, cultural, psicológica, no contato com o lúdico, o estético, o poético, possibilitando com isto um espaço que tende a diluir fronteiras socioculturais e ideologicamente instituídas, enriquecendo o imaginário e universo cultural dos educandos, neste espaço agregador.


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RICARDO, Cassiano. Martim-Cererê (O Brasil dos meninos, dos poetas e dos heróis). Rio de Janeiro: José Olimpio, 2001.

Luciana Diláscio Neves

Professora Assistente do Departamento de Artes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (DArtes/UFRRJ). Possui Graduação em Pintura (1996) pela Escola de Belas Artes – UFRJ, Mestrado (2005) em Ciência da Arte – UFF. Coordenadora do subprojeto PIBID do Curso de Licenciatura em Belas Artes Artes - UFRRJ (CAPES/Edital 2009-2012), desde 2010. Coordenadora do Laboratório Audiovisual de Experimentações Arte-Educativas.

http://lattes.cnpq.br/9002099783022805

Ludmilla Pollyana Duarte

Licencianda do curso de Belas Artes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Bolsista do Programa de Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência- PIBID, desde 2012. Neste período apresentou trabalho no Encontro Nacional do PIBID com enfoque na literatura de cordel e artes visuais, e vem desenvolvendo pesquisas e oficinas sobre o tema.

http://lattes.cnpq.br/2878253510617184

Diego Alves

Licenciando do curso Belas Artes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Bolsista da CAPES no Programa Institucional Bolsa de Iniciação à Docência- PIBID desde 2012. Durante este período vem desenvolvendo pesquisas e oficinas sobre folclore e cultura popular nas Escola da Educação Básica – Seropédica, RJ – conveniadas ao Programa.

http://lattes.cnpq.br/3583111180033210