Atividades do PIBID BA na Feira Cultural do CAIC Paulo Dacorso Filho / Agosto e Setembro de 2010


Feira Cultural do CAIC: Folclore e Cultura Popular Brasileira na Educação Básica
▪ Coordenadora de área: Luciana Diláscio Neves

▪ Supervisora do CAIC em 2010: Rosane Amorim Tunala

▪ Professora colaboradora no Caic em 2010: Silvana Gonçalves

▪ Bolsistas-licenciandos: Camila Cristina Batista, Gildásio Miranda do Carmo, Gisele Alves Soares, Igor Luiz Oliveira Dias, Jéssica Cristina Gomes, João Chrysostomo, Karina Sugio, Lucas Morattelli, Lucas Paes Leite, Luciana França da Costa, Mariana Rodi Thomaz, Natalia Mano Saraiva, Pablo Ferreira de Lima, Paolo Xavier Martins, Rogério Corrêa Alves, Sarah Figueiredo, Susana Monteiro, Thaís Souza da Mota Rodrigues.

▪ Instituto de Ciências Humanas e Sociais – ICHS

▪ Departamento de Artes

Resumo:

Em agosto/setembro de 2010, foi tomada como proposta o trabalho em torno de alguns folguedos brasileiros, intencionando uma viagem pelo imaginário a eles relacionado. A questão que se tornou importante no âmbito da licenciatura foi: como tornar compreensível para os graus escolares envolvidos o que é o folclore, apresentando as origens, as significações e o imaginário que envolve um folguedo popular? Os dezoito bolsistas do PIBID foram divididos em três grupos; cada um trabalhando com uma escolaridade (6º, 7º ou 8º ano), sendo escolhidos dois folguedos: o tradicional bumba-meu-boi e o auto da Nau Catarineta (ambos, recebendo outras denominações de acordo com a região do Brasil em que acontecem). A culminância seria uma encenação realizada pelos alunos do CAIC, em dia de evento da escola, a Feira Cultural. O 6º ano faria uma encenação do bumba-meu-boi. O 7º uma encenação com teatro de bonecos a partir da Nau Catarineta. E o 8º, um teatro de sombras utilizando recortes bidimensionais, a partir da adaptação do trecho do livro Martim-Cererê do poeta modernista Cassiano Ricardo, que, embora não fosse fonte retirada do folclore, havia sido concebida, segundo o autor, com intenção didática: narrativa em versos, inspirada nas lendas do folclore brasileiro, uma espécie de mito da formação do Brasil remetendo às raças que foram essenciais para a formação do Brasil e do povo; ajudando certamente na compreensão sobre o folclore e a cultura popular. A primeira parte do trabalho ocorreu no âmbito da licenciatura com a pesquisa e o recolhimento de exemplos dos fatos folclóricos, através de fotos, filmes, músicas, imagens de manifestações populares que retratam e se inspiram nos folguedos e  literatura sobre o assunto. Das encenações ocorridas no CAIC, resultaram três vídeos; material editado a partir da filmagem das três apresentações.
 
 
Sobre o Bumba-meu boi e a encenação no CAIC:
O 6º ano do CAIC coordenado pelos bolsistas do programa PIBID Belas Artes apresentou na Feira Cultural uma adaptação de um dos mais tradicionais folguedos do folclore brasileiro, o bumba meu boi. Dependendo da região do Brasil em que é comemorado, o bumba meu boi é conhecido também como boi surubi, boi calumba, boi bumbá, entre outros nomes que recebe, de acordo também com o período em que é realizado, em geral, no ciclo natalino ou joanino.
O fato de o boi ser um animal intimamente relacionado ao folclore brasileiro se explica pela forte presença deste animal na imaginação do povo, pois o boi, desde o tempo do início da formação do Brasil, nos tempos coloniais, teve grande importância e prestância para os que aqui viviam.
Assim, o folguedo do boi surge da imaginação do povo, nos tempos do colonizador, da escravatura, dos aventureiros das selvas brasileiras. Representam dramatizações dos feitos do prestativo animal que se misturava na imaginação de todos às noções dos ciclos da vida e da morte.
Assim, estas festas têm também caráter religioso. Ao reverenciar o boi, estão dando graças também aos ciclos da vida e da morte. A história do boi, que possui grandes variações, é sempre em torno deste tema: vida, morte e, em muitos casos, da ressurreição do animal.
Ao redor do boi se aglomeram inúmeros personagens, desde os humanos e animais típicos das regiões até personagens sobrenaturais e fantásticos. Em geral, podemos falar de Catirina, Pai Francisco, Matheus, vaqueiros, fazendeiros, índios, Burra Calú, Cavalo marinho, Ema, onça, Cazumbá, bicho folharau, Bernúncia, entre muitos outros. Tudo, dependendo da imaginação do povo de onde está sendo encenado.
Os cortejos são acompanhados por inúmeros integrantes, dançando e\ou tocando instrumentos.
Diante de tão vasta manifestação popular, espalhada pelo Brasil afora, procuramos fazer uma adaptação deste tão querido e festejado folguedo brasileiro, reunindo diferentes canções que envolvem o tema do boi e mostrando um pouquinho deste vasto e rico repertório.
Personagens e enredos:
Os personagens e número de integrantes do auto do bumba-meu-boi, assim como a função que cada um tem no enredo são bastante variados, dependendo do local e da imaginação daqueles que promovem a brincadeira. Há também bastante variação no enredo do boi
Personagens e animais variados são também incorporados ao bailado.
Personagens típicos:
-Boi, Pai Francisco, Mãe Catirina, dono da fazenda, mulher deste, filha, vaqueiro, Cazumbá (feiticeiro indígena), indígenas, doutor curador, Padre, sacristão, Mateus.
Outros personagens:
- ema, onça, burrinha, cavalo-marinho
E ainda existem muitos outros que são incorporados.
- Além destes, existem os que seguem o cortejo, não fantasiados, sustentando o coro e tocando os instrumentos.
 
 Resumo do Enredo  para encenação do Bumba-meu-boi (Adaptação):
O dono da fazenda apresenta o boi ao público, pedindo espaço para o seu boi brincar. O boi brinca no meio do povo. (música de abertura)
Para satisfazer aos desejos de sua mulher, Catirina, um escravo da fazenda, Pai Francisco, rouba o boi de estimação do patrão e o esconde. Catirina, grávida, deseja comer a língua do animal. Pai Francisco mata o animal, chamando a todos para a repartição das carnes do boi, distribuindo para as pessoas da cidade (as partes mais nobres vão para as pessoas mais importantes, e sem que ninguém saiba que se trata do estimado boi do dono da fazenda) / (música da partilha do boi).
Um vaqueiro, com raiva por ter recebido os chifres do boi, vai até o dono da fazenda e conta que havia sido Pai Francisco que roubara e matara o seu animal. O patrão fica desesperado pela morte do seu estimado boi. O fazendeiro manda prender pai Francisco, trazendo também, as carcaças do boi. Manda chamar também o doutor curador para fazer reviver o seu boi.  O doutor usa de seus remédios, mas não consegue fazer o boi ressuscitar. Manda então, chamar o Cazumbá, feiticeiro indígena poderoso. Cazumbá e os indígenas dançam em torno do boi, mas o boi não se mexe. Diante do desespero do patrão, pai Francisco fica muito arrependido. Então aparece Mateus, filho de Francisco e Catirina. Mateus anda ao redor do boi. De repente, levanta seu rabo, olha sabe-se lá o que e assopra. O boi dá um salto, revive e começa a dançar. Todos dançam e cantam. O cortejo se despede do público (música de despedida).
Existem inúmeras outras versões:
- O patrão manda prender Pai Francisco pelos indígenas. O feiticeiro ensina a Pai Francisco a técnica de espirrar em vários pontos do boi até despertá-lo. O boi revive e todos cantam e dançam.
 - Francisco não é escravo, mas o proprietário da fazenda vizinha e manda roubar o boi.
E muitas outras versões...
As passagens desta encenação são cantadas e dançadas com coreografias próprias e acompanhadas de determinados instrumentos (que também podem variar bastante).




Adaptação do Bumba-meu-boi realizada pelo PIBID para a Encenação:
(inspirado nos recolhimentos das manifestações locais encontrados no livro Danças Dramáticas do Brasil, de Mário de Andrade)
 
Narrador: Vamos lhes apresentar a história do boi-bumbá. Boi contente, boi dançante, boi que anima a gente.
Entrada: Chegada do cortejo cantando.
Músicas:  Loa de Abertura (domínio Público)
                    Boi Castanho
                    → Começo do diálogo: a música do cortejo de entrada silencia e o dono da fazenda pede licença ao público para seu boi brincar.
Dono da fazenda:                    Boa tarde/ Bom dia, meus amigos!
             Sou o dono da fazenda
Eu vou-lhes apresentar,
Meu boizinho, Boi-bumbá"
Dança pra esta gente!
  O boi dança no meio do povo acompanhando a música que se segue.
Músicas:   Fui La na Campina
                     ▪ Burrinha
 
→ o conjunto silencia e se afasta um pouco para o lado.
→ Encenação: Catirina se afasta um pouco do “conjunto de personagens”, e chama por Pai Francisco. Pai Francisco entra respondendo.
 
Catirina:                   “Pai Francisco, Pai Francisco!”
 
Pai Francisco:               Catirina! Minha esposa
Como está o nosso filho? (acaricia a barriga)
Estás com algum desejo?
Um galinho ou um cordeirinho? 
Catirina:                                                  Meu marido estou faminta
Um desejo que não se foi
O que eu muito quero mesm
É comer língua de boi!”
Pai Francisco exclama:            Mas Catirina, meu amor
É mais fácil um cordeiro
Pois por aqui, boi
só o do fazendeiro! 
Catirina:                    Mas Francisco, meu marido
                                     O que eu quero é língua de boi
                                     Ou tu me trazes este animal
                                     Ou seu filho nasce com cara de boi!
→ Pai Francisco e Catirina vão saindo e se misturando ao grupo. Aparece o narrad
Narrador: E como Catirina estava com vontade de comer a língua daquele boi do patrão... Boi gordo, boi mimado...Francisco resolve roubar o boi.
→ Recomeça a folia com o grupo de personagens e o boi dançando e cantando. Só Catirina e Pai Francisco permanecem afastados.
Músicas:
▪ Banda de Pífaros (Instrumental)
→ Pai Francisco se mistura no meio da “multidão” e, de modo sorrateiro, rouba o boi.
Pai Francisco se afasta levando o Boi, e os três (Francisco, Catirina e o boi) se abaixam.
A música e a folia vão silenciando lentamente.
 
Narrador: Então naquele dia, todos já estavam tão cansados de foliar que ninguém percebeu o sumiço do boi. E, mais tarde, Pai Francisco resolve matar o boi. Como o boi é enorme, Pai Francisco faz um convite ao pessoal da cidade para a partilha dos pedaços. Mas, ninguém sabia que era o estimado boi do fazendeiro.
→ Pai Francisco entra em foco.
Pai Francisco:                                 Venham! Venham todos!
                                                          Um banquete vou servir
                                                          Tem carne pra todo o mundo
                                                          Podem vir, podem vir!”
→Catirina também se aproxima empurrando o boi abaixado.
→ Pai Francisco se dirige ao público:
Pai Francisco:                                          Povo, povo... venha provar!
  A melhor carne desse lugar
  Peguem um pedaço qualquer
  A língua é de minha mulher!"
 
→ os personagens vão se aproximando ao redor de Francisco, Catirina e o boi (que permanece abaixado como morto). Os personagens do fazendeiro, sua filha, sua mulher, o vaqueiro fiel e alguns outros personagens que ainda vão ser chamados para encenarem, permanecem afastados.
Música:      
▪ Partilha do boi (Inezita Barroso)
→ Francisco amola uma espécie de facão, simulando cortar o boi e Catirina vai entregando os pedaços (apenas simbolicamente, sem ter nada na mão) para os personagens ao redor.
No final, Catirina entrega o último pedaço, os chifres, para um vaqueiro que ali estava.
Catirina:                  Ah! Agora pra o senhor, sobrou isto aqui.
Vaqueiro dos chifres:                   Ah é! Muito engraçadinho! Quer dizer que pra mim sobrou os
                                                               Chifres do boizinho?
→Catirina balança os ombros.
Catirina:                                           Fazer o que? O Senhor ficou pra trás.
                                                           Se tivesse se apressado teria pego mais!”
→o vaqueiro fica furioso.
Vaqueiro do chifre:                       Ninguém de mim vai debochar
                                                          A ninguém peço favor
                                                           O boi com seus chifres tão destemido
                                                            Não precisou viver de favor. 
→ O vaqueiro anda ao redor do boi morto (abaixado) e coça a cabeça desconfiado.
Vaqueiro dos chifres:                  Esses chifres eu conheço
                 Esse não é boi qualquer...
                              Pai Francisco repartiu inteiro
                 O valioso boi do Fazendeiro!"
→ Neste instante entra em cena o fazendeiro, seguido por sua mulher, sua filha e o vaqueiro fiel. O fazendeiro parece desesperado.
Fazendeiro:                   Boizinho, Boi-bumbá!
 Onde é que você está?
 Quem foi que roubou meu boi? (Pergunta a platéia)
 Ah! mas vou descobrir quem foi!"
→ Catirina entra na frente do boi morto (abaixado no chão). Pai Francisco, meio sem jeito, pergunta:
Pai Francisco:                   O que é que o Sinhozinho tá procurando mesmo?
Fazendeiro:                         Meu boi! Meu boi sumiu!
                                               Há dias o estou a procurar!
                                               Um boi castanho, forte e valente,
                                               E, sobretudo, boi folião! Boi contente!
→ Enquanto o patrão vai falando e rondando perto do boi, Catirina vai ficando na frente do boi morto (abaixado).
Catirina:                              Boi assim, eu não vi por aqui não.
                                               Por aqui, quando aparece, é só uns boizinhos que é osso só...
                                               Faminto de fome, que em pé não consegue ficar.
                                               Dançar, então...nem pensar!”
→ o vaqueiro fiel olha desconfiado para os que ali estão.
Vaqueiro fiel:                          Oh Patrão! Desde aquele último dia
                                                    Que o seu boi dançou perto daqui,
                                                     Nunca mais o vi.”                 
→ O fazendeiro leva as mãos na cabeça desolado.
Fazendeiro:                               Aí meu boi, aí meu boi...
Filha:                                    Aí meu pai, não fica assim, chega de tanto ai, ai, ui, ui
                                               Que a gente manda buscar outro lá no tal de Piauí.
Fazendeiro:                       Nem no Piauí, nem no Maranhão
                                                Igual aquele, folião
                                                Não tem outro não.”
→ o fazendeiro continua a resmungar (aí, aí, meu boi...). O vaqueiro fiel vai encarando os outros personagens, desconfiado. Nisto se aproxima o vaqueiro que recebeu os chifres.
Vaqueiro dos chifres:    Foi Pai Francisco quem matou o seu boi. Roubou e matou.
                                            E as carcaças do animal atrás da Catirina botou.
 
→ O fazendeiro passa mal. A mulher e a filha o socorrem.
Fazendeiro:                       Não pode ser. Você fez isto Francisco?
→Pai Francisco cabisbaixo, leva o chapéu ao peito.
Pai Francisco:                    Ai patrão, eu fiz sim. É que minha Catirina tá grávida e tava com uma         baita vontade de comer boi... Aí eu tive medo que meu filho nascesse com chifre e com cara de boi!
→ Catirina cai no chão ajoelhada com as mãos pra cima.
→ o fazendeiro se abaixa e começa a chorar.
Pai Francisco:                 Ah! Como eu tô arrependido.
                                          Não sabia que o boi era tão querido!
Filha:                                    Pai, vamos mandar buscar outro lá no tal do Piauí.
Fazendeiro:                       Nem no Piauí, nem no Ceará
                                             Como este, nenhum será.
→ de repente, o fazendeiro levanta furioso e se dirige para o fazendeiro fiel.
Fazendeiro:                  Prenda Pai Francisco
E traga pra cá as carcaças do meu boi.
→ O fazendeiro vai na direção de pai Francisco, mas Catirina entra na frente e implora.
Catirina:                       Aí, minha nossa senhora! Valha-me Deus!
Não faz nada com meu Francisco não.
→ o vaqueiro fiel segura no braço de pai Francisco.
Pai Francisco:                   Catirina não chore não
                                             Diga a todos que fui preso com razão
                                              Por causa do boi castanho
                                               Que morreu aqui no sertão
Mulher do fazendeiro:         Oh meu marido! Francisco e Catirina trabalham há tanto
         tempo pra gente! Porque a gente não chama o doutor!
                                             Dizem que ele faz milagres!
→ o fazendeiro fica pensativo.
Fazendeiro:                  Está certo. (se dirige ao vaqueiro fiel).
Solte o Francisco.
                                        Vá chamar o tal doutor! 
o vaqueiro volta com o doutor. O doutor vai até o boi abaixado no chão e dá uns remédios. O boi não se mexe.
Doutor:                          Esse boi não vai viver
Não posso nada fazer
Apesar de todo o esforço
Seu boi ficará morto.
→ O fazendeiro leva as mãos na cabeça desesperado. Nisto Catirina se lembra do Cazumbá.
Catirina:                              Já sei, vamos chamar o Cazumbá!
Fazendeiro:                       Vá chamar este tal de Cazumbá! (fala ao fazendeiro fiel)
→o vaqueiro volta trazendo Cazumbá.
Cazumbá e os índios fazem uma dança ao redor do boi, falando algumas palavras. O boi não mexe.
Música: música instrumental retirada do Quinteto Armorial
Cazumbá:                           Cazumbá invocou alma de boi
                                               Mas pra longe boi já se foi
                                               Boi não quer voltar
                                               Cazumbá mais nada pode tentar.
→ O fazendeiro abaixa a cabeça desolado. Todos ficam cabisbaixos.
Música: 
meu boi morreu (coro de fundo)
Narrador: E enquanto todos estavam triste com a morte sem a volta do boi, aparece Matheus, que estava brincando perto dali (entra Matheus e vai andando em torno do boi – todos permanecem com a cabeça abaixada). Matheus, filho de Francisco e Catirina, olha para dentro do rabo do boi. Ninguém sabe o que ele viu, mas Matheus começou a soprar pra dentro do rabo do boi.
Música:
▪ Lundú (Seriá)
→ Nisto o boi começa a se mexer pouco a pouco (vai subindo pouco a pouco ao som da música)
→ Todos levantam a cabeça.
Vaqueiro fiel:                   Vejam! O boi está se mexendo!
→ Todos começam a bater palmas ao som da música.
→ Matheus vai soprando mais e mais e o boi revive e sai dançando.
Fazendeiro:                       Meu boi! Meu boi!
→ Todos dançam e cantam juntos.
Música:      
  Matheus embaixador
▪ Boi-Bumbá    (Waldemar Henrique)

                                                                  FIM
 

MÚSICAS SELECIONADAS PARA O  Bumba-meu-boi


Loa de Abertura  (Anônimo-Domínio Público)

Senhores desta sala
Licença eu vou chegando, eu vou
A voz e a rabeca
O coração cantando, eu vou


Boi Castanho                                (Getulio Cavalcanti)

Eu sou da Estrada Real do Poço,
Da Casa Forte, sou Boi Castanho,
Eu sou do Reino do Meio-dia,
Fazendo alegria, coração deste
Tamanho...


Fui lá na Campina                       (companhia do folclore do Rio-UFRJ)

Fui lá na campina,
Fui buscar meu boi;

A boiada toda junta
Ramaiete onde foi?

Que beleza de boi. Êh boi!
É boi pintadinho. Êh, boi!
Boi do Rio de Janeiro. Êh, boi!
Êta, boi bonitinho. Êh, boi!

Tcha, tcha, tcha,
Eu fui buscar meu boi;

A boiada toda junta
Ramaiete aonde foi?


Tcha, tcha, tcha
Eu fui buscar meu boi;
A boiada toda junta,
Ramaiete aonde foi?


Olha D. Mariquita. Êh, boi!
Tem também Jaguará. Êh, boi!
Vamos lá, oh, mulinha. Êh, boi!
Que beleza de boi!
 

Burrinha


Oi burra nova
Que vem, vem
Dançar na roda
Pro povo ver


▪ Banda de Pífanos  ( instrumental)


Partilha do Boi                            ( Domínio Publico - Inezita Barroso)

Seu Antônio Geraldo
O seu boi morreu
O que há de se fazer
É tirar o couro

Do boi a rabada, assim mesmo é
Da rapaziada, assim mesmo é
E o mucungú, assim mesmo é
É do véio Manú, assim mesmo é
Do boi as canelas, assim mesmo é
É da Gabriela, assim mesmo é
E o coração, assim mesmo é
É da Conceição, assim mesmo é
Do boi a saia, assim mesmo é
É de dona Soraia, assim mesmo é
E as orelhinhas, assim mesmo é
É do seu cobrinha, assim mesmo é
Do boi a pele, assim mesmo é
É de Mirabele, assim mesmo é
Do boi o figo, assim mesmo é
É de meus amigos, assim mesmo é
Do boi o rim, assim mesmo é
É do Serafim, assim mesmo é
E o mocotó, assim mesmo é
É do seu Jacó, assim mesmo é
E os quartos traseiros, assim mesmo é
É de quem tem dinheiro, assim mesmo é
E as canelas, assim mesmo é
É da Gabriela, assim mesmo é
Do boi o pé, assim mesmo é
É do Danié, assim mesmo é
Do boi o chifre
É de quem quiser


Meu Boi Morreu             (coro de fundo)

Meu boi morreu, aí assim mesmo é
Morreu de fome, aí assim mesmo é
Morreu de sede, aí assim mesmo é
Aí assim mesmo se come

Lundu paraense              (instrumental- música com que o boi vai se levantando)

Matheus Embaixador                           (Antônio Nóbrega)

Matheus, embaixador,
Estrela alva do dia,
Que sonho é esse?
Que sina é essa?

Meu povo, meus Senhores,
Aqui estou no meu destino,
Estou no meu desatino,
Vim brincar neste lugar.

Minha volta é essa,
Sou ligeiro, Pedra-lispe,
Também sou Onça-tigre,
Minha dança é de invocar.

▪ Boi-Bumbá                                            (Waldemar Henrique)                 


Despedida                                                  (Domínio Público)

Eu já estou de retirada,
É madrugada,
Dou lembranças aos senhores,

Sinto uma dor,
Dono da casa
Até para o ano se eu vivo for.

Adeus, boa sorte para todos,
Eu já me vou,
Já vou me retirar.

Tenho saudades dessa noite tão bonita,
O meu coração palpita
Que eu não posso tolerar.





Sobre a Nau Catarineta:

A Nau Catarineta é um tema encontrado no folclore brasileiro. O tema da nau (barco, navio) à deriva no mar, narrando uma trágica travessia oceânica está presente na literatura oral de vários povos navegadores. Com certeza, no processo de colonização brasileira (e, processo, também, de formação do povo e da cultura brasileira através da “miscigenação cultural”), o fato dos portugueses (assim como de outros que aqui estiveram, como os espanhóis, franceses, holandeses...) serem povos de tradição navegadora, contribuiu para que tal tema marítimo estivesse presente no imaginário popular, favorecendo a presença da Nau Catarineta no folclore brasileiro.

No Brasil, a Nau Catarineta aparece como uma jornada (um trecho) de alguns folguedos conhecidos como Marujada (bailado dos Marujos) ou Fandango, dependendo das regiões. No Norte e Nordeste, Fandango é sempre um auto popular (forma teatral de enredo popular com bailados e cantos), já tradicional na primeira década do século XIX, convergências de cantigas brasileiras e xácaras portuguesas (romance que se canta à viola), distinguindo-se entre elas, a Nau Catarineta. Alguns pesquisadores deduzem que, no Brasil, o motivo da Nau Catarineta teve origem na viagem da nau Santo Antônio que, em 1565, transportara Jorge de Albuquerque de Olinda para Lisboa, o que sugere a possibilidade da existência histórica que deu origem ao motivo da Nau Catarineta.

Assim, o tema da nau à deriva no mar está enraizado no imaginário de vários povos.

Todo fato folclórico está enraizado na imaginação e vivência coletiva de um povo, sendo deste modo que o fato folclórico apresenta a marca da aceitação coletiva. Um tema para ser aceito coletivamente e espontaneamente, ou já está presente ou se enraíza no imaginário popular porque se relaciona de alguma forma com a vivência deste povo, com suas histórias e a maneira espontânea de sentir, pensar, acreditar...

A Nau Catarineta apresenta uma série de canções, cortejos e coreografias dramáticas que narram às passagens desta longa travessia marítima, desde sua partida até o final triunfal que se dá com a chegada em terra firme, momento também conhecido como Chegança. Nos cantos, exaltam os feitos dos marinheiros nas suas viagens pelo mar, cantando os naufrágios, as batalhas e os acontecimentos passados no navio, havendo, nestas canções, inúmeras referências a esta nau específica, denominada Nau Catarineta.
 

Proposta para a Encenação teatral do “Romance da Nau Catarineta”


O Brasil possui em seu folclore inúmeras Festas e Folguedos populares. Folguedo é uma espécie de encenação teatralizada também conhecida como um “auto”, com bailados, danças coreográficas, cortejos... Ou seja, dizendo de modo simples, são encenações dramáticas (como um teatro), cantadas, dançadas e festejadas pelo povo.

→ Vamos contar a história da Nau Catarineta. É uma história de feitos, de batalhas e de provações de homens que se aventuraram pelo desconhecido mar. Impelidos pela vontade de conhecer novas terras, e, por vezes, na vontade de retornar para suas terras de origem, se lançavam no mar em barcos e caravelas conhecidas também como Naus, com suas enormes velas. Iam ao sabor dos ventos, da sorte e da força de seus braços, para chegar, não se sabe ao certo; mas, confiantes que, ao fim desta longa jornada, deveriam, um dia, aportar em algum porto, pisando em terra firme.

→ Diz o início da história:

  A 25 de março saímos nós de terra firme. O porto a que vamos é longe e o local, por vezes, desconhecido. O barco é forte. Seu nome: Nau Catarineta. Os oficiais e marujos que nela vão, não temem a viagem e o desconhecido. São bravos e destemidos os seus marujos, confiantes na divindade celeste que os protegerá de todos os perigos e desventuras.
 
Sobre a encenação da Nau Catarineta no CAIC: 
- A maior parte das músicas foi retirada do cd “Mario de Andrade” cantado por teca Calazans.
Quase todas as canções incluídas nesta gravação constam do trabalho “Danças Dramáticas do Brasil” de Mario de Andrade, tratando-se do trabalho de registro efetuado pelo poeta e musicólogo. O cd foca em especial os cantos que envolvem a nau Catarineta e o bumba-meu-boi.
Outras músicas foram retiradas do cd “Na pancada do Ganzá” de Antônio Nóbrega.
Marinheiro só – cantado por Clementina de Jesus.                         

TEATRO DE BONECOS
            Dentre os mais conhecidos teatros de bonecos praticados por artistas do povo está o mamulengo nordestino.
            O teatro de bonecos possui uma tradição quase tão antiga quanto o da própria história do homem. Sua origem no tempo torna-se difícil determinar. O que se sabe é que foi praticado desde a Antiguidade, possivelmente tendo surgido no Oriente, de onde se teria espalhado e atingido a Europa, posteriormente as Américas.
            Praticado como é em todo o mundo, o teatro de bonecos assume fisionomia e espírito dramático diferenciados, guardando entre si um aspecto em comum: o seu caráter popular, o povo se representando para si mesmo.
            “A marionete é velha como o mundo. Ela é filha natural da poesia” (Jacques Chesnais)
            Podemos apenas supor que os bonecos nos vieram acompanhando os colonizadores. Apontam o século XVIII como as primeiras notícias sobre a prática no Brasil.
            Tendo origem religiosa (forma do presépio) tendem depois para o profano, com os fatos do dia-a-dia.
            Não podem existir sem a música e sem a dança, requisitando do público uma participação constante. A função da música no espetáculo é de apoio, agindo também como elemento de ligação entre as cenas.
            O espetáculo tem sua estruturação dramática repousando no constante apoio musical dos instrumentistas, e sua participação nas cenas das danças, nas cantorias, nas brigas, determinam o ritmo e o clima do espetáculo.
            Do lado de fora da barraca que é armada para a encenação do teatro fica uma pequena orquestra responsável pela parte musical dos espetáculos. Geralmente esta pequena orquestra é formada por sanfona, triângulo, zabumba e ganzá.



Proposta para Encenação do teatro de Sombras:

→ História adaptada do livro “Martim-Cererê” de Cassiano Ricardo.

Cassiano Ricardo (1895-1974) – jornalista, poeta e ensaísta brasileiro. Representante do modernismo de tendência nacionalista. Em 1928 publica o livro Martim-Cererê, espécie de fábula ou lenda em forma de poema épico (narrativa contada em versos), inspirado na nossa mitologia e no nosso folclore. Martim-Cererê foi importante experiência modernista na linha mitológica de Macunaíma de Mario de Andrade e Cobra-Norato de Raul Bopp.

É importante ressaltar que no modernismo, por exemplo, houve grande intenção de resgatar nossas raízes culturais, de modo que muitos modernistas, a exemplo do poeta Mario de Andrade, foram grandes folcloristas e dedicados pesquisadores da cultura do povo brasileiro. Deste modo, o folclore brasileiro foi e continua sendo fonte de inspiração para muitos artistas eruditos devido à riqueza do seu imaginário e de suas inúmeras formas de expressão. Temos muitos artistas consagrados que produziram suas obras inspirando-se e bebendo desta fonte que é o folclore e a cultura do povo, a exemplo de nomes tais como o grande compositor Villa-Lobos (na música), Cândido Portinari (na pintura), Mario de Andrade, Cassiano Ricardo (poetas), entre outros.

Assim, Martim-Cererê é uma espécie de narrativa em versos, inspirada nas lendas do folclore brasileiro e que narra uma espécie de mito da formação do Brasil [ou seja, uma construção mítica do povo do Brasil, em forma de versos].  Assim, a Uiara e Aimberê, o Marinheiro (português) e o africano são componentes da narrativa que, na trama que os envolvem, remete às três raças que foram essenciais para a formação do Brasil e do povo brasileiro.

Resumo da história:

A história apresentada será então uma adaptação de um trecho do livro e que fala, em linguagem metafórica e repleta de alusões simbólicas da formação do Brasil. Primeiro era só uma enorme terra, de Palmeiras, pássaros e animais diversos onde vivia Uiara e também Aimberê, Rei do Mato. Mas, no início, nesta terra, só havia sol, não havia noite e Uiara diz que aceita se casar com Aimberê apenas se ele for buscar a noite. Aimberê vai buscar a noite, indo parar no sítio fim do mundo. A cobra grande, então, lhe entrega o fruto de tucumã onde a noite estaria dentro... , mas recomenda a Aimberê não abrir o fruto antes da hora marcada, ou ele ficaria perdido para sempre no fim do mundo, pois a noite que mora no fruto virará onça preta e comerá o sol do fim do mundo, escondendo os seus caminhos. No caminho, Aimberê é tentado e abre o fruto, ficando perdido. E a terra de Uiara continua apenas tendo dia. Até que, certa vez, chega um marinheiro (alusão ao português) e ouvindo o canto da Uiara, ofereceu-se também para casar-se com ela. Uiara dirá que se casará apenas com quem a noite trouxer. Mas como poderia alguém achar a Noite onde tudo era Sol? Então, o novo pretendente se aventurou em seu navio e foi buscar a noite no mar. Em tantas idas e vindas no mar, um dia, Uiara viu descer do navio do marinheiro, um povo da pele cor da noite (o africano) e acreditou ser um sinal de que ele estava trazendo a noite. E assim, aceitou casar-se com ele. Na praia, se casaram e sob o escândalo dos pássaros, finalmente Deus diz: “Faça-se a Noite”. E a Uiara se casou com o Marujo. E depois deste, vieram muitos casamentos e gente de muitas cores. Mas no princípio foram três: o homem da terra, com seu nomadismo, o homem do mar, com sua carga de aventura e o homem da noite, para mesclar-se com o sol dos trópicos. Todos eles, de mãos dadas e, depois de beber em grandes goles a água do rio em que nascera, correndo pra dentro da terra e de costas voltadas para o mar, todos três, bateram à porta do interior do Brasil num tropel formidável: “Nós queremos entrar!” Era uma vez... E lá se foram todos três.
Para a encenação do Martim-Cererê:
 
A maior parte das músicas utilizadas foi retirada do Quinteto Armorial.
O movimento Armorial iniciado oficialmente em 1970 interessa-se por Cerâmica, Pintura, tapeçaria, gravura, teatro, escultura, romance, poesia e música, tendo como mentor o poeta e escritor Ariano Suassuna.
O movimento Armorial destacou-se na música brasileira erudita de raízes nacionais e populares inspirada nos cantares do romanceiro nordestino, nos toques de pífanos, nas violas e rabecas dos cantadores populares.
A intenção de utilizar músicas do quinteto Armorial vem de encontro ao interesse de apresentar exemplos que buscam resgatar nossas origens culturais, unindo o erudito ao popular. Foram os compositores Armoriais que revalorizaram vários elementos da música nordestina como o pífano, a viola sertaneja, a guitarra ibérica, a rabeca e os instrumentos hindus ou árabes, estes últimos de presença tão marcante no Nordeste, por causa da herança ibérica.
Além destas foi utilizada outras referência importante, como o trecho da bachiana brasileira nº 5 de Heitor Villa-Lobos (como o canto da Uiara), compositor do século XX vinculado aos ideais modernistas, bebeu amplamente dos temas populares, dos temas folclóricos, das cirandas e cantigas anônimas, produzindo obra monumental.
 
Modernismo
Como conseqüência do modernismo temos, no Brasil, a consciência de criação nacional: voltar-se para si mesmo e perceber a expressão do povo e da terra sobre a qual se estabeleceu.
Segundo Lélia Coelho Frota (Pequeno Dicionário do Povo Brasileiro, p. 27), o movimento modernista aprofundou e fez repercutir na sociedade brasileira a aspiração por uma “descoberta da terra” iniciada pela geração dos românticos no séc. XIX, que enfatizou as expressões regionais do país e fez aparecer, no âmbito da literatura, os primeiros trabalhos de folclore. Como visto, será iniciativa de um modernista, Renato Almeida, a criação da Comissão Nacional do Folclore. Será fundamental também, o pensamento e a ação de recolhimento e registro efetuada por Mário de Andrade, assim como a ação de muitos outros.
 
 ADAPTAÇÃO DE UM TRECHO DO LIVRO MARTIM-CERERÊ (do poeta Cassiano Ricardo)
NARRADOR 1: Havia um local desconhecido, era apenas uma Terra Grande e, no começo dos tempos, nesta Terra Grande, não havia noite, apenas sol. E a moça bonita, chamada Uiara, morava na Terra Grande. Dizem que tinha cabelo verde, olhos amarelos. O mato é verde; pois seus cabelos eram mais verdes. A flor do ipê é amarela; pois seus cabelos eram mais amarelos.
Assim,
De primeiro neste mundo
Só havia sol mais nada
Noite não havia
Havia só manhã
Uma manhã espessa
Com a coroa de plumas
Vermelhas à cabeça
Só manhã no mundo
Pois noite não havia
Só manhã no mundo
Sem nenhuma idéia de haver noite nem dia
Todas as mulheres
Eram filhas do sol
Na manhã gentil
E os homens cantavam
Que nem pássaros nus
Pelos galhos das árvores
Sem noite sem dia
Porque só havia sol
Noite não havia
Mas dois frutos havia
E num deles morava
A Noite no outro o Dia
Mas ninguém sabia
Em que galho em que arbusto
É que a Noite estaria
E onde estava o Dia.
Não havia medo
De perder a hora
Ou contar-se um segredo
Só havia sol se rindo
Se rindo grande e real
Como um ruivo animal
Dentro do matagal.
NARRADOR 2:
No país do sol
Havia uma mulher
Verde olho de ouro
Vestida de sol
Imagem da manhã
Sem noção do amanhã
Chamava-se Uiara.
Então Aimberê
Nascido crescido
Sem nunca chorar,
Viu ela no banho
E – guerreiro moço –
Se pôs a tocar
Numa flauta de osso,
Vil, rudimentar,
Esta toada triste:
Sou o Rei do Mato
Quero me casar
Mas é com você.
E o pobre tapuia
Se pôs a chorar
Sem saber porquê.
NARRADOR 3:
Mas a Uiara responde:
“A manhã é muito clara...
Não há noite na terra...
O sol espia a gente
Pelos vãos do arvoredo...
Sem noite, francamente,
Não quero me casar
Porque não há segredo...
O que há são olhos
Em que o sol se reparte
Olhos que espiam tudo
Olhos por toda parte!
Se você, meu amigo,
Quer se casar comigo,
Tenho uma condição
É haver Noite, na Terra"
“Sem Noite, não e
NÃO"
Então o Rei do Mato
Pintado a genipapo e urucum
Partiu lesto, levando
Os povos da manhã
Para os lados do atlântico
Sob um dourado açoite
O sol
À procura da noite...
NARRADOR 4:
E m nome do seu povo
Aimberê vai ao Carão:
“Onde está a Noite? Eu quero a Noite.”
- Pituna mora no oco
Do pau, na barriga do coco.
A coruja que mora
no oco do topo sabe onde.
E em nome de seu povo
Aimberê vai à Coruja
“Onde está a Noite? Eu quero a Noite.
-Pituna mora no fundo
Da água maior que houver no mundo
O Boto, que se esconde
No buraco do mundo sabe onde.
Então o Boto responde:
“Pituna virou Onça Preta;
O sol virou em arara
E a onça comeu o Sol”
Mas onde? 
Só um eco responde: onde?
NARRADOR 5: 
Até que no fim da estrada
No sítio acaba-mundo
O Rei do Mato encontra
A Cobra Grande que,
Olhos de safira
Se disse sua irmã.
Então a Cobra Grande
Lhe fala: “Eu tenho a Noite”.
E dá-lhe um espinhento
Fruto de tucumã
“A noite mora ao centro
Desta fruta do mato,
Que é espinhenta por fora
Mas gostosa por dentro...”
 
“Vá por este caminho
Mas não abra o segredo
Antes da hora marcada
Pra seu amor não ser
Simples palavra vã.
Que se abrires o fruto
Por encanto ou por medo
Você terá o castigo
De sol e de chão bruto,
Que te dará Tupã.
 
E a Noite que está dentro
Deste crespo por fora
Fruto de tucumã
Virará Onça Preta.
 
E tudo será noite
De não se ver mais nada
Mas apenas aqui neste trecho do fim do mundo
E você, Rei do Mato
Ficará o vagabundo
Do sítio acaba-mundo
E vagará perdido
Na grande Noite cega.
 
NARRADOR 6:
 
Aimberê, o Rei do Mato
Voltava pra casa contente
Com a Noite dentro do fruto
E a madrugada nos olhos...
 
Mas no caminho, encontrou o Pererê:
“Não percebe que a Cobra-Grande te enganou
Te deu um oco, dentro do coco?”
Ele ouviu e não fez conta.
 
Até que, no seu caminho,
Onde parou
Pra descansar um bocado,
Mordido pela formiga
Verde da curiosidade,
Levou o fruto ao ouvido
Pra ouvir o canto da Noite;
E ouviu o surdo gorjeio
Do grande Bicho Felpudo
Que gorjeava, lá no escuro
“moro aqui dentro
Mas não durmo nem sossego
Pois sou um pássaro cego.”
 
-“Bicho Felpudo da Noite
Que tens um olho na testa,
Mas tens a cabeça oca
O meu povo te pergunta
Que enorme segredo é o teu
Que cantas mas não tens boca?”
E ouviu uma coisa louca
Que o deixou branco de susto
Como se já houvesse lua.
 
E, por encanto, ou por medo,
Porém já sem inocência,
Tão louco está e tão tonto
Que abre o fruto proibido
E pronto!
 
Salta de dentro a Onça Preta!
Cadê o Sol?
A Onça Preta comeu.
 
Cadê a Arara?
A Onça Preta comeu.
 
Cadê a Noite?
Ah! A Noite sou eu.
 
 
NARRADOR 7:
 
E a noite se fez,
Mas apenas ao redor de Aimberê
E ele ficou no sítio acaba-mundo
Sem caminho, sem noiva
 
E no país de Uiara
O tempo prosseguia
Sem noite sem dia
Só sol havia.
 
NARRADOR 8:
 
Até que certo dia,
Chegou um marinheiro
Que saltara das ondas
Num pássaro marinho
Ruflando a asa enorme
Das velas redondas
Por errar o caminho.
Desce nas terras de Uiara
E em nome de seu povo
Vem o dono da casa
E oferece o que é seu:
Águas, cobras e flores!
 
Nisto a manhã louca
Grita: “Bem te vi”
E o Marinheiro branco
Coração já confuso
Ouve maravilhado
O gorjeio do pássaro
Como explicar que uma ave
De país tão distante e agreste
Diga que bem o viu
Parece que dois povos
Tinham marcado encontro
Nessa manhã sem par
 
Um que vinha do Mar
Em busca de um tesouro
Chamado sol da Terra
 
Outro vindo da Terra
Para os lados do Atlântico
À procura da Noite
Como se adivinhasse,
Por estranha magia.
Que havia o Mar da Noite
Pois no fundo das águas
É que a Noite estaria.
 
NARRADOR 9:
 
E ao ouvir o Canto da Uiara
O Marinheiro também ofereceu-se
Para casar com ela.
 
“Eu vim do mar! Sou filho de outra raça.
Para servir meu rei andei à caça
De mundos nunca vistos nem sonhados,
Por mares nunca de outrem navegados”.
Trago uma cruz de sangue em cada vela!
 
E agora, Ó Uiara, eu sou um rouxinol.
Épico só no mar, lírico em terra,
Quero gorjear à beira do regato
E o teu beijo colher, fruta do mato
Vigiada pelas onças de olhos de ouro
 
NARRADOR 10:
 
E os novos habitantes, por pensar se tratar de uma ilha,
Batizaram a Terra Grande como o nome Vera-Cruz
 
Ilha cheia de Graça
Ilha cheia de pássaros
Ilha cheia de luz
 
Depois mudaram-lhe o nome
Pra Terra de Santa Cruz
 
Terra cheia de Graça
Terra cheia de pássaros
Terra cheia de luz.
 
E como a terra fosse de árvores vermelhas
E se houvesse mostrado assaz gentil,
Deram-lhe o nome de Brasil.
 
Brasil cheio de graça
Brasil cheio de pássaros
Brasil cheio de luz.
 
NARRADOR 11:
 
Mas a Uiara assim respondeu ao novo pretendente:
Vá buscar a noite; só casarei com aquele que primeiro
Me trouxer a noite...
 
Mas como poderia
Alguém achar a noite
Onde tudo era o Sol?
Onde a manhã feliz, sem concorrência,
Andava solta pelo matagal?
 
Então o novo pretendente.
Épico só no mar, lírico em terra,
Partiu em seu navio aventureiro
E foi buscar a Noite...
 
NARRADOR:
 
E começa a longa história
Do navio que ia e vinha
Pela estrada azul do Atlântico
 
E o Navio Aventureiro
Que trouxe o Descobridor
E que trouxe o Povoador
E que trouxe o Caçador
Era um navio encantado que ia e vinha
 
E qual não foi a alegria
Da Uiara na manhã clara!
No instante em que viu descer
Do Navio aventureiro
Um povo da cor da Noite
 
Acreditou então, a jovem Uiara
Que era um sinal
De que o pretendente do mar
trazia a noite em suas ondas.
 
 
NARRADOR:
 
Tal como o marinheiro
Esses povos cor da noite
Vinham de outro continente
Onde viviam os povos
A quem, Deus
Profuso e alternante
Os fez com a cor da noite.
 
E trouxeram o jongo, o batuque
Danças, festas
E muito mais
 
E o país de Uiara
Foi ficando cheio
De tanta coisa variada
E como acreditou a Uiara
Que o marinheiro lhe houvesse
Trazido a noite
Ali mesmo, na praia
Sob o escândalo dos pássaros
A Uiara casou-se com ele.
 
E como depois deste casamento
Muitos outros se fizeram
No país das grandes terras
E das palmeiras
Finalmente, Deus diz:
Faça-se a noite.
E assim, fez a noite,
Para também casar-se com o sol
No país dos trópicos.
 
 
NARRADOR:
 
E como depois,
Muitos outros casamentos houveram
Nasceu gente de todos os tipos
E todas as cores
Misturados ao sol e a noite
Ao mar e a terra
Do país dos trópicos
 
Mas como conta o mito
No princípio eram três
 
O homem da terra, com seu nomadismo
O homem do mar, com sua carga de aventura
O homem da noite, para mesclar-se com o sol dos trópicos
 
Todos três,
De mãos dadas
E pela primeira vez,
Depois de terem bebido em grandes goles
A água do rio em que nascera
Todos três
Bateram à porta do interior do Brasil
Num tropel formidável:
Nós queremos entrar!
Era uma vez...
E lá se foram todos três.
 
 
 
 
FIM